sexta-feira, 27 de outubro de 2017

História de Lutero - 4 - Do nascimento à Universidade e as 95 teses

As 95 teses

Naqueles dias a igreja entregou-se ao nefasto comércio das indulgências (recibos de perdão dos pecados, comprados com dinheiro). João Tetzel, vendedor dessas indulgências na Alemanha, chegou a Wittenberg. Ali insistia junto ao povo que comprasse perdão para todos os pecados, passados, presentes e futuros. Alguns membros da igreja de Lutero compraram-nas e não se importaram mais em se arrepender dos pecados. Lutero, em consequência disso, lhes negou a Santa Ceia. Disse-lhes que, se não se arrependessem, Deus não lhes perdoaria os pecados, pois as indulgências não tinham nenhum valor diante de Deus.
Muito entristecido com o que estava acontecendo, Lutero pregou nos domingos seguintes com veemência, chamando o povo ao arrependimento. Por fim escreveu 95 teses (proposições) para serem discutidas em público, em que condenava a venda de indulgência.
No dia 31 de outubro de 1517, pregou essas teses na porta da catedral, para que todos as pudessem ler. Numa delas ele afirmava:
Cada cristão que se arrepende de seus pecados, tem perdão dos mesmos, não necessitando das indulgências.
Milhares de pessoas, ricas e pobres, vibraram de alegria, vendo a coragem com que Lutero combatia os erros da Igreja.

Conheça as 95 teses - com breves comentários

1. Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.

2. Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).

3. No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula, se, externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.

4. Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.
[Lutero nega que as indulgências possam livrar alguém das penas terrestres.]

5. O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.
6. O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro.
[5-6: Lutero mostra que o papa não tem nenhuma autoridade além daquela dada por Jesus. É, no mínimo, uma atitude de esclarecer à autoridade (da igreja).]

7. Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
[7: Deus perdoa por graça. Qualquer coisa. A qualquer pessoa. Assim as indulgências erram a ignorar esta graça. Já se pode perceber diferença do pensamento romano.]

8. Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.
9. Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.
10. Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.
(“O purgatório, um estado de penitência e purificação entre a morte e o juízo final, é, para a doutrina católico-romana, o local para o pagamento das penas decorrentes dos pecados. Estas penas podem ser parcial ou totalmente eliminadas pelas indulgências. No mundo cristão, a doutrina do purgatório surge primeiro em Orígenes, no século II. Em 1517 Lutero ainda aceita a doutrina do purgatório. Mais tarde irá abandoná-la completamente.)

11. Essa erva daninha de transformar a pena canônicaem pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.
[11: Lutero parece não acreditar que as indulgências tenham entrado à igreja com a permissão dos bispos.]

12. Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.
[Lutero está rebatendo a venda de indulgências para livrar do purgatório até mesmo aos que já morreram. Segundo sua concepção (aqui ainda não contra o purgatório) só se pode fazer alguma coisa para livrar-se da condenação aqui na terra.]

13. Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.
[Lutero reafirma que só aos vivos é dada a oportunidade da salvação.]

14. Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais, quanto menor for o amor.
15. Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.

16. Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.
[Claramente se vê que Lutero ainda aceita o purgatório, afinal, esta era uma doutrina oficial da igreja que ele ainda não tinha aprofundado o conhecimento. Mais tarde, por causa da Escritura, Lutero rejeita a existência do purgatório.]

17. Parece necessário, para as almas no purgatório, que o horror diminua na medida em que cresce o amor.
18. Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.
19. Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza.
[17-19: Lutero começa com “Parece”, ele não afirma. Demonstrando um caráter pacífico.]

20. Portanto, sob remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
[Lutero não entra no mérito da autoridade do papa, mas diz claramente que ele só pode entender sobre as penas que ele mesmo impôs, ou seja, não pode ministrar sobre as penas do purgatório.]

Depois de uma introdução de 20 teses, Lutero bate de frente com os vendedores de indulgências.

21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.

22. Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.
[Para afirmar sua tese Lutero, acreditando no purgatório, usa este como argumento. O que não for pago em vida será ali pago.]

23. Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.
[Lutero parece aceitar que existam perfeitos. Isso pode ser classificado como uma clara leitura de sua educação romana. Lutero ainda não entende o homem como completamente corrompido e completamente justificado.]

24. Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.
[Acusa as indulgências de serem enganação.]

25. O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.
[O papa não detém o poder das chaves, poder que é usado para assegurar a validade das indulgências. O poder do papa é o mesmo que qualquer cristão: interceder pelos outros. Neste caso, até mesmo pelos mortos que estão no purgatório. Parece contestar a autoridade superior do papa, mas considerando o caráter destes escritos não nos atreveríamos a afirmar isso a essa época. Mas poderíamos argumentar que essa tese leva a entender que cada bispo e cura é um papa em seu território de domínio. A tese não é clara quanto à autoridade do papa e nem é isso que se está discutindo neste documento.]

26. O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.

27. Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].
[Segundo o pesquisador católico Nicolau Paulus, o pregador dominicano João Tetzel realmente anunciou em suas pregações a frase: “Antes que o dinheiro tilinte na caixa, a alma salta do purgatório.”]

28. Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.
[Lutero contrapõe a vontade de Deus à cobiça da Igreja.]

29. E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas? Dizem que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.

30. Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.
[Aqui está implícita a luta pela remissão dos pecados que cada um deveria ter na fé católica.]

31. Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.
[Lutero não diz que as indulgências não sejam possíveis, mas que são quase. Uma vez mais não é polêmico e sim pacífico.]

32. Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.
[Demonstração de que não aceita de forma alguma as indulgências e ainda condena que as espalha, atrapalhando as consciências.]

33. Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Deus.
34. Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.

35. Não pregam cristãmente os que ensinam não ser necessária a contrição àqueles que querem resgatar ou adquirir breves confessionais.
[As confessionalia, “breves confessionais”, eram parte importante das graças relacionadas com a proclamação das indulgências jubilares. Quem comprasse tal privilégio adquiria o direito de escolher um confessor, ao qual haviam sido concedidas autorizações ( faculdades) especiais para a absolvição. Além disso, adquiria uma indulgência plenária para ser usada uma vez na vida e para a hora da morte. Os confessores indicados, quando da venda de uma tal bula extraordinária, tinham a autoridade de conceder dispensa também nos casos reservados ao papa e de transformar promessas especialmente severas em outras de menor peso. Além disso, podiam autorizar a retenção de bens ilegitimamente adquiridos, de matrimônios entre pessoas inabilitadas devido a certos graus de parentesco, etc. - As breves confessionais davam à pessoa a segurança de que na hora da morte poderiam se livrar do castigo eterno ou do purgatório. Ainda poderiam escolher a quem melhor lhes parecia para confessar.]

36. Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito à remissão pela de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.
[Qualquer cristão pode ser salvo, não apenas os que compram indulgências.]

37. Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
[A graça é dada por Deus mediante Cristo.]

38. Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do perdão divino.
[O papa não deve ser ignorado, mas somente porque declara o que Deus já deu.]

39. Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar perante o povo ao mesmo tempo, a liberdade das indulgências e a verdadeira contrição.
[A indulgência dificulta a interpretação de pecado. As consciências podem sentir-se tranquilas apesar de quaisquer pecados. Não há contrição. Há suborno.]

40. A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando ocasião para tanto.
[Os que procuram indulgências estão tentando escapar da culpa através de meios não lícitos. Está implícito o pensamento de que se pode pagar pelos pecados cometidos.]

41. Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.
[Lutero contrapõe as boas obras às indulgências. São preferíveis as obras. Lutero ainda está no pensamento romano de que as obras são necessárias para a salvação.]

42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.
[Lutero afirma que o papa não corrobora com as indulgências. Lutero pensa ter o apoio papal ao discutir estas questões. Na época julga poder usar a opinião papal contra seus adversários. Somente alguns anos mais tarde é que verá que estava enganado.]

43. Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.
[Uma vez mais Lutero afirma que é melhor fazer  boas obras do que comprar indulgências.]

44. Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da pena.
[As indulgências são fuga da pena.]

45. Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.
[Comprar indulgências traz a ira de Deus, pois é preferível usar o dinheiro para ajudar ao necessitado. Lutero afirma claramente que (segundo o pensamento romano) para livrar-se do purgatório e inferno é necessário que se faça obras, ao invés de tentar fugir do castigo buscando as indulgências.]

46. Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.
[Lutero entende que Deus dá bens às pessoas para que elas possam viver e cuidar dos seus. Não se deveria gastar com indulgências se vai faltar em casa. Isso vai contra o princípio de se comprar a indulgência para livrar-se do castigo eterno.]

47. Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.
[Lutero aceita as indulgências (devemos lembrar que Lutero aceita a autoridade do papa), mas afirma que não devem ser forçadas e sim oferecidas.]

48. Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.

49. Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
[Lutero é confuso neste argumento. Não define como as indulgências poderiam ser úteis. Mas ele está seguro de que as indulgências representam a tentativa de fuga da ira de Deus.]

50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51. Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto — como é seu dever — a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
[50-51: Nas duas teses acima, mais uma vez Lutero defende o papa. Sugere que este não sabe do que se passa na venda das indulgências. E que se soubesse não permitiria.]

52. Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.

53. São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas. O comissário era uma pessoa comissionada pela Igreja com a venda de indulgências.
(Durante o período de sua permanência em uma localidade, o comissário era senhor absoluto sobre a igreja e sobre os sacerdotes. Determinava quando e onde poderia ser pregado. Podia, além disso, suspender as indulgências especiais, proibir a confissão, sob pena de excomunhão, designar confessores de indulgências.)
54. Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.
55. A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
[53-55: Nas teses acima Lutero defende o valor da Palavra de Deus ante as indulgências. Estava se dando muito mais valor às indulgências do que à Palavra de Deus. Já não era a graça de Deus que salvava e livrava do castigo eterno, mas simplesmente a indulgência papal.]

56. Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
(O tesouro da Igreja é formado pelas obras excedentes de Cristo e dos santos. Estas obras excedentes estão confiadas à administração papal como thesaurus bonorum operum. Cabe ao papa distribuí-las a quem delas necessita. Lutero nega essa concepção na tese 58.)

57. É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.

58. Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.
[Lutero ainda acredita (como a igreja romana) que os santos tenham méritos e que os possam compartilhar.]

59. S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.
60. É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que lhe foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro.
61. Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente.

62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
[Aqui se sente que Lutero valoriza o Evangelho acima de todas as coisas que a Igreja possa oferecer.]

63. Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os últimos.

64. Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros.
[As indulgências servem como fuga da ira divina.]

65. Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.
66. Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.
67. As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa renda.
[65-67: Nas teses acima Lutero afirma que as indulgências servem apenas para arrancar dinheiro das pessoas.]

68. Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade na cruz.
[Indulgências não são nada quando comparadas à graça de Deus em Cristo.]

69. Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.
[Lutero enfatiza a hierarquia à essa época. Talvez por isso ele tenha escrito a tese seguinte.]

70. Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbido pelo papa.
[Lutero volta a defender o papa. Admitindo que os comissários é que estariam desvirtuando aquilo que o papa lhes tinha ordenado.]

71. Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.
72. Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.
73. Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências,
74. muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade.
75. A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.

76. Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados veniais no que se refere à sua culpa.
(A teologia católica distingue entre pecados veniais e pecados mortais. Os primeiros não são pecados no sentido lato do termo. Os segundos referem-se aos sete pecados capitais. Estes, enquanto não forem perdoados, têm como consequência a morte eterna, devendo, por isso, ser confessados.)
[Lutero aponta para a inutilidade das indulgências.]

77. A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o papa.
78. Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam, o Evangelho, os poderes, os dons de curar, etc., como está escrito em 1Co 12.

79. É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.
[Nada é maior do que a cruz de Cristo, nem mesmo a cruz do papa.]

80. Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo.
[Lutero lembra da responsabilidade de cada bispo frente ao seu rebanho.]

81. Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos.
82. Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas — o que seria a mais justa de todas as causas —, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica — que é uma causa tão insignificante?
83. Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?
84. Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito?
85. Do mesmo modo: por que os cânones penitenciais — de fato e por desuso já há muito revogados e mortos — ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?
86. Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?
87. Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à remissão e participação plenária?
88. Do mesmo modo: que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos fiéis?
89. Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora já concedidas, se são igualmente eficazes?
[81-89: Nas teses que acima Lutero usa de sarcasmo para contra argumentar às indulgências. Ele é muito perspicaz e não parece temer o papa. Segundo ele pensava não havia o que temer, pois o papa estaria do seu lado. Lutero põe nas teses as perguntas que provavelmente estariam circulando entre as pessoas de sua época. Como na tese 82: se o papa pode tirar as pessoas do purgatório por dinheiro, por que não faz isso por bondade? Com perguntas assim ele mostra que é totalmente contra tais indulgências.]

90. Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.
[Lutero chama a atenção ao fato de que as pessoas merecem ao menos uma explicação dos abusos que estão acontecendo. Eles não deveriam ser tratados à força.]

91. Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.
92. Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: "Paz, paz!" sem que haja paz!
93. Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: "Cruz! Cruz!" sem que haja cruz!

94. Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno;
[Os cristãos deveriam confiar que pelas penas estariam nos céus (se percebe a teologia romana) e não por comprarem as indulgências. Estas, ao contrário, geram uma esperança falsa e levam que leva ao inferno.]

95. e, assim, a que confiem que entrarão no céu antes através de muitas tribulações do que pela segurança da paz.

[O caminho do céu passa pelas tribulações da terra. O cristão sofre aqui, antes de estar na perfeição com Deus. Isto é claro para Lutero.]

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